‘Quero brincar com você’ Mãe rio-pretense descobre assédio de pedófilo na internet e mobiliza CPI São José do Rio Preto, 15 de março de 2009...

‘Quero brincar com você’
Mãe rio-pretense descobre assédio de pedófilo na internet e mobiliza CPI
São José do Rio Preto, 15 de março de 2009
Hamilton Pavam
Protesto em Catanduva terminou com uma oração em frente à Câmara

Allan de Abreu

Rio Preto entrou na mira da CPI da Pedofilia. Os senadores que integram a Comissão Parlamentar de Inquérito vão investigar um suposto esquema de aliciamento de menores em salas de bate-papo de rio-pretenses na internet, denunciado pela vendedora E.A.S., 33 anos. “Eu me comprometo pessoalmente a investigar esse caso”, disse o senador Romeu Tuma (PTB-SP), vice-presidente da CPI. Segundo o senador Geraldo Mesquita Júnior (PMDB-AC), que também integra a comissão, E.A.S. será ouvida ainda nesta semana, quando a CPI estará em Catanduva para ouvir os suspeitos de integrar uma rede de pedofilia na cidade. O caso em Rio Preto veio à tona na tarde do dia 19 de fevereiro, quando a vendedora flagrou o filho Y.S., 14 anos, em uma sala de bate-papo na rede feita para os moradores do município. O garoto conversava com um sujeito que se identificava como homem e usava o apelido “H Loiro”.

Antes da metade da conversa (E.A.S. não se lembra do trecho exato), a mãe tomou o teclado do filho e passou a conversar com o interlocutor como se fosse o adolescente. “Tomei um susto com o que ele escrevia. Nunca pensei que o assédio fosse de tão baixo nível. É muito nojento”, afirma a vendedora. No diálogo, “H Loiro” logo identifica-se como Leandro. Casado, diz morar em Frutal (MG) e trabalhar em uma usina de açúcar e álcool no município. “Quero brincar com você”, anuncia no início da conversa (leia reprodução nesta página). E passa a se auto-descrever: 41 anos, 1,82 metro de altura, ruivo, olhos verdes. “Sou gordo e barrigudo. Ursão”, escreve, para em seguida completar: “Curte um tiosinho (sic)?”. Leandro vacila em alguns instantes. Revela consciência do ato criminoso. “É crime, não sei se você sabe... Você ser de menor.” Mas a conversa se prolonga em um programa de troca de mensagens da internet, o MSN, e Leandro demonstra estar excitado com o diálogo, a ponto de o trecho ficar impublicável.

Ele diz querer encontrar Y.S. em Rio Preto. O adolescente – na verdade, a vendedora - sugere a casa dos próprios pais. Leandro fica receoso, e pede outro lugar, que seria definido depois. Só faz uma exigência: “Tem uma amiguinha pra gente levar?”, pergunta. Y.S. diz que sim, mas tem vergonha de convidar a colega. O homem tenta convencê-lo. “Falamos que é uma festa. Tomamos umas”, sugere. A vendedora sai do programa. “Não aguentava mais tanta baixaria”, diz. Mas, nos dias que se seguiram, Leandro insiste em conversar. Chega a enviar uma foto, que diz ser sua, ao garoto. “Eu me sinto muito vulnerável. Não posso controlar 24 horas por dia tudo o que meu filho acessa na internet. Mas não quero ser omissa. Por isso resolvi denunciar.” A vendedora vai registrar amanhã boletim de ocorrência na Polícia Civil. Em novembro, a polícia do Rio de Janeiro prendeu um pedófilo com base nas conversas pela internet que uma mãe, passando-se pelo filho, teve com o criminoso.

O risco que uma criança corre na sala virtual rio-pretense é grande. Na sexta-feira, o Diário se fez passar por uma menina de 10 anos na mesma sala onde Y.S. quase foi aliciado. O assédio dos internautas (a maioria diz ser de Rio Preto) é instantâneo. “Vamos conversar, meu anjo?”, convida um deles. A CPI já está com os telefones de contato da mãe E.A.S. “Vou convocá-la a depor em Rio Preto ou Catanduva”, diz o senador Mesquita. “Em Belém, onde a CPI esteve, aconteceu algo parecido. Mães nos procuraram para relatar casos de assédio paralelos aos que já investigávamos, e os resultados (das investigações) têm sido positivos.” Segundo o senador Tuma, pela foto do suposto aliciador e o rastreamento a partir do computador de Y.S. será possível chegar a Leandro. “Se ele tentou alguma coisa com o menino é porque já deve ter feito com outros”, diz Tuma.





Mães protestam e exigem justiça
Mães de crianças vítimas da suposta rede de pedofilia que atuava em Catanduva, mais as Organizações Não-Governamentais (ONGs) SOS Família e Instituto Pró-Cidadania, organizaram na manhã de ontem a passeata “Todos Contra a Pedofilia”. A manifestação percorreu toda a rua Brasil, no Centro da cidade, e terminou em frente à Câmara Municipal, onde foi rezado um pai-nosso. Cerca de 40 pessoas participaram. “Queremos justiça”, disse a auxiliar de serviços gerais Cristiane José de Lima, 38, mãe de três crianças vítimas da suposta rede criminosa. “Não podemos calar”. Outra preocupação também incomoda os manifestantes. “Não podemos deixar que a cidade fique marcada como lugar de pedofilia”, afirmou Marci Soares, 31, cujos filhos, segundo ela, também foram aliciados. Moradores de Catanduva compartilharam a indignação das mães. “Aqui tem muita coisa boa, mas ficamos conhecidos como a cidade da pedofilia”, disse o aposentado Rubens Diniz, 67. “Mas com o tempo, vamos recuperar nossa verdadeira imagem”.

CPI vê pedofilia como crime hediondo
A CPI da Pedofilia desembarca na tarde de terça-feira em Catanduva com um desafio: combater o senso comum do brasileiro, que associa comissões parlamentares de inquérito a circo e pizza. O senador Magno Malta (PR-ES), presidente da CPI, garante que a comissão trará resultados concretos no combate aos pedófilos. “Não estamos de brincadeira. Vamos até o fim no combate a esse crime nojento”, afirma. Mas, afinal, o que quer a CPI? O senador Romeu Tuma (PTB-SP), vice-presidente, diz que o primeiro objetivo da comissão já foi atingido: colocar o debate sobre pedofilia na mídia e na sociedade. “Desencadeamos, a partir da CPI, um movimento nacional de combate aos pedófilos.” A segunda meta é mais palpável: classificar a pedofilia como crime hediondo, com pena de 15 anos de prisão a quem fotografa, armazena, vende e produz material pornográfico com menores de idade. O projeto de lei proposto pela CPI já foi aprovado no Senado, e aguarda votação na Câmara dos Deputados.

Atualmente, segundo o promotor criminal Antonio Baldin, a pedofilia é enquadrada como atentado violento ao pudor, no Código Penal (pena de até dez anos de prisão), ou no artigo 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que pune com prisão de até oito anos quem “produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente”. Armazenar esse material no computador não é crime, pelo ECA de hoje. Tuma promete indiciar todos os investigados pela CPI no relatório final da comissão. Em um ano de funcionamento, os senadores apuraram crimes de pedofilia em 17 cidades. Foram sete audiências pelo Brasil e participação em congressos sobre o tema na Índia, França, Argentina e Estados Unidos. Por todo esse trabalho, o senador do PTB assegura que a CPI da Pedofilia terá um destino diferente das demais comissões parlamentares de inquérito criadas pelo Senado nesta década - três CPIs não saíram do papel, enquanto a investigação sobre o repasse do governo federal a ONGs se arrasta desde 2006, sem resultados concretos.

Pedófilos lideram denúncias
Das 300 denúncias que chegam diariamente à Safernet, ONG de combate aos crimes pela internet, 63% são páginas com conteúdo pedófilo. “O criminoso que sente atração por fotos e vídeos com crianças e adolescentes nus viu na rede um meio propício à pedofilia. A internet possibilita a troca quase instantânea de dados e, principalmente, transmite a sensação de impunidade. Quem pratica esse tipo de crime na internet tem a certeza de que nunca será pego”, diz Thiago Tavares, diretor-presidente da Safernet. Mas ele garante que o pedófilo está enganado. “É possível rastrear a comunicação via internet a partir do IP.” Tavares se refere ao Internet Protocol, uma espécie de carteira de identidade de cada computador na web. A página da Safernet (www.safernet.org.br) tem um ícone exclusivo para denúncias de crimes por meio virtual. Com o link da página denunciada, a ONG encaminha os dados à Polícia Federal (PF) e ao Ministério Público Federal (MPF), para que seja quebrado o sigilo da página. A partir daí é possível chegar ao criador do site e ao computador de todos os seus usuários.

Segundo Tavares, o Orkut já foi o paraíso da pedofilia, principalmente depois da criação, pela empresa Google, dona do serviço, de um instrumento que bloqueia as fotos disponibilizadas no site, permitindo o acesso apenas para conhecidos do autor – em geral igualmente pedófilos. Em julho do ano passado, porém, por pressão da CPI da Pedofilia, a Google Brasil fechou um acordo com o Ministério Público em que a empresa se compromete a liberar os dados de álbuns do Orkut investigados por crimes cibernéticos. Por meio do acordo, foram quebrados os sigilos telemáticos de 23 mil páginas do Orkut. Dessas, 3 mil continham conteúdo pedófilo, que está sendo estudado pela CPI. Diante da ofensiva da CPI e do MPF, a pedofilia migrou para salas de bate-papo e blogs, páginas muitas vezes baseadas em provedores fora do Brasil, além de redes de compartilhamento de arquivo, como o eMule. Um novo desafio para as instituições que investigam os crimes cibernéticos.

Audiências terão custo de R$ 50 mil
Os quatro dias em que a CPI vai permanecer em Catanduva, de terça a sexta-feira, irão custar aos cofres públicos cerca de R$ 50 mil. O cálculo foi feito pelo Diário com base na tarifa do vôo de Brasília a Rio Preto, na alimentação e na estadia da equipe (13 pessoas no total) no hotel Paradise, o mais caro de Catanduva. Em três dias de depoimento, os senadores pretendem ouvir os oito suspeitos de integrar a rede de pedofilia, incluindo o médico Wagner Rodrigo Brida Gonçalves e o empresário José Emanuel Volpon Diogo, ambos foragidos depois das prisões decretadas pela Justiça na Operação Fênix, desencadeada pelo Ministério Público na quarta-feira. “Esperamos que até lá (nesta semana) eles estejam presos”, diz Tuma. Também serão ouvidos pela CPI os pais das vítimas, o diretor da escola onde estuda a maioria das crianças supostamente abusadas e a delegada Maria Cecília Castro Sanches, responsável pelo inquérito que investiga a rede de pedofilia.

Falhas
A Corregedoria da Polícia Civil de Rio Preto instaurou dois procedimentos de apuração preliminar para investigar “possíveis irregularidades funcionais” por parte de policiais de Catanduva, de acordo com a Secretaria de Estado da Segurança Pública. A Polícia Civil catanduvense é suspeita de falhas na condução das investigações da rede de pedofilia. No primeiro inquérito, a delegada Cecília indiciou apenas o borracheiro José Barra Nova de Melo e o sobrinho William Melo de Souza. Outras pessoas de classe média-alta acusadas de participar do abuso sexual, apesar de citadas nos depoimentos das vítimas, não foram investigadas. Nesta semana será ouvida pela Corregedoria a delegada Rosana Vanni, que também investiga o caso. O dia ainda não está definido.


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